sexta-feira, 22 de maio de 2009

C.11-Fragmentos de vida:F1,F2,F3,F4,F5.

C.11.F1-Contradições e Paradoxos:Preconceito x Privilégio
O ser humano sempre está diante das contradições e paradoxos da vida. No caso do preconceito contra a lepra(hanseníase), que na verdade foi, é e sempre será terrivelmente danoso sob todos os aspectos das relações humanas, acaba também sendo usado por alguns na base de dois pesos e duas medidas. E, desta forma, o motivo de preconceito que prejudica a muitos, vira vergonhoso privilégio para alguns que passam a ver a doença como oportunidade para alguma coisa.
Com isso, a grande maioria das verdadeiras vítimas restantes do internamento compulsório, passam a ser vítimas outra vez das consequências que alteram completamente o ritmo das coisas, com vantagens pra uns e prejuízo pra outros. Alguns exemplos: limitação de espaço e aumento do clima de insegurança em razão do crescimento sem estrutura; porta aberta para camuflagem de ações fraudulentas; cumplicidade de alguns moradores visando interesse pessoal ou futebolístico; impunidade, excesso de tolerância ou falta de mecanismos de ação por parte das autoridades; ocupação desordenada e exploração imobiliária; demanda crescente por moradia e consumo de água e energia elétrica, que ao final escasseiam para todos. Além do mais, a incômoda incoerência dos que, ao mesmo tempo, querem direitos iguais e diferentes deveres, o que acaba por enfraquecer a luta dos bem intencionados. Na sociedade global também é assim. Muita gente detesta o preconceito(dos outros), mas disputa privilégio para si e acha tudo bem. No entanto, preconceito e privilégio são faces detestáveis da mesma injustiça que menospreza uns e tem preferência por outros. Comprovando o pensamento que “ser bom é fácil, difícil é ser justo”, encaixa-se também aqui quem dá para alguns o que não lhe pertence (porque é público), sendo injusto usurpando de quem tem direito para ser bonzinho distribuindo com quem direito não tem.
C.11.F2-Nos bastidores do Sistema
As estatísticas não deixam dúvidas sobre projeção de doenças em camadas pobres e ricas da população. Toda e qualquer doença (até gripe!) tem espaço maior de proliferação onde são mais precárias as condições de saneamento básico, moradia, alimentação e informação.
Por que seria diferente com a hanseníase? Tanto é verdade que, embora não tenha sido só por isso, muitos países desenvolvidos erradicaram a doença antes mesmo dos medicamentos que hoje existem, através da melhoria das condições educacionais, econômicas e sociais do seu povo.
No entanto, pensar que lepra foi ou que hanseníase é doença só de pobre é mais uma ideia que reforça o preconceito e esconde a verdade. O que se viu e o que se sabe é que desde os primeiros tempos do internamento compulsório, as pessoas de famílias mais privilegiadas atingidas pela doença se tratavam(ou ainda se tratam) às escondidas e para as quais o serviço público(hoje também o particular) sempre dava e dá um jeitinho. Tudo nos bastidores do sistema. Casos existiram de famílias nesta situação que até sentissem necessidade de terem mais preconceito da Colônia do que os outros. Por isso, quantas e quantas pessoas doentes que não foram internadas nos hospitais-colônia por este nosso Brasil a dentro, mas estiveram isoladas em algum quarto dos fundos ou morreram esquecidas nos fundos de algum coração!
Mas independentemente de situação socioeconômica, sem entrar no mérito das razões que cada um possa ter, existe também algo como que preconceito silencioso entre alguns doentes ou seus familiares que, mesmo sem poder jogar tudo fora, fazem questão de esquecer suas origens. E quem sabe, com a experiência de vida no ambiente onde vivem, pudessem ajudar mais numa causa que ainda é de todos?
Rico ou pobre, ninguém precisa nem deve se expor desnecessariamente anunciando doença apenas para dar satisfação à curiosidade popular, mas todos podemos tentar aprender, pobre ou rico, a encarar com mais naturalidade as situações que incomodam e fazem sofrer.
Além do mais, ninguém escolhe ficar doente e a doença, a exemplo da morte, também não faz pesquisa para saber quem vai querer, até porque se fizesse, não acharia pretendente.
C.11.F3-A força da solidariedade
Em toda história de dor e tristeza, o que mais chama a atenção, e que talvez seja a força invisível de superação, é a solidariedade humana. A dor, o sofrimento e as circunstâncias, às vezes geram revolta, mas quase sempre acabam unindo as pessoas. Em qualquer tempo é fácil perceber os gestos de ajuda de quem está passando por dificuldade. Exemplos não faltam nas situações de calamidade pública que assustam a humanidade. Imaginar então pessoas abandonadas, proibidas de estarem na sua família, no seu chão, sofrendo dores atrozes, angústias sem fim, mas que ainda assim se ajudavam mutuamente! É a força inabalável da solidariedade e do amor. Este amor inexplicável, única coisa que a gente pode dar até sem ter recebido. Imaginar a dor sem alívio, a febre intensa que faz delirar, as noites indormidas que não passam, o gemido dos corredores enquanto a cidade dorme, a expectativa de algumas gotas de remédio, a esperança de um comprimido analgésico, e quando pensa que não, a mão que surge com um copo d’água que alivia a secura dos lábios e revigora as forças! É por causa da solidariedade, e só por causa dela, que muitas pessoas sobreviveram a tanto sofrimento, e outras continuarão a sobreviver em cada hospital, em cada asilo, em cada canto do mundo, em cada enchente, em cada terremoto, em cada dor, em cada separação e em cada saudade.
C.11.F4-Preconceito fatal
Nas lembranças que marcam o tempo, restaram lições que jamais serão esquecidas. É necessário repensar conceitos e rever as consequências de atitudes preconceituosas.
Muitos sofreram e outros ainda sofrem diante da situação de preconceito e humilhação que não conseguem esquecer. Outros não conseguiram suportar mais, e abreviaram o tempo da vida com o suicídio.
Existiam(como ainda hoje existem) os que foram abandonados pela família e tiveram que suportar, no silêncio da vida entre paredes, a maior de todas as dores, a dor imensa da solidão. Mas existiu também quem teve que abandonar a família e, no que embora à primeira vista, até pudesse ser julgado como ato de pai irresponsável, se revela um gesto de amor sem limites, dolorosamente sentido numa cena dramática que meus olhos e coração não esquecem.
“Vi lágrimas de um pai sofrido num leito de hospital, depois de várias visitas e perguntas de rotina sobre terra natal e família. Personagem de semblante triste, mas que algum tempo depois, mesmo talvez sentindo um pouquinho de confiança para o desabafo, ainda assim pediu segredo para revelar, falando baixinho, uma única vez, “um pouquinho de sua história”: estava ali escondido, não queria que soubessem onde estava. Teve que sair de casa, às escondidas, para não prejudicar a família, ao descobrir que estava doente. Disse que o filho era gerente de banco e perderia tudo quando a cidade soubesse da doença do pai. O único jeito era sair escondido, sumir no mundo e não mais dar notícias. Já em soluços, pediu desculpas, não podia falar mais. E tentando esconder o rosto, enxugava as lágrimas. Também não tive coragem nem voz para insistir. Nem sabia o que fazer! E assim aquele pai, um ser humano cativante e admirável, revivia noites e dias entre soluços e lágrimas, certamente angustiado por terríveis dilemas: a doença e a dor em si; ter que esconder a sua origem até pra quem queria ajudar; estar distante do filho que amava; pensar que estariam procurando por ele; e afinal, o que a família e os amigos estariam pensando dele?
Vendo o que vi, podia sentir quanta angústia na alma daquele homem de bom coração!
Vendo o que vi, dá para sentir o sofrimento de alguém rejeitado pela sociedade, ainda mais por motivo de doença que a pessoa não escolhe.
Será que um dia aquele filho ‘abandonado’ será capaz de entender o amor deste pai?
Passados mais alguns dias de dor e saudade, aquele pai sofrido levou para o túmulo o seu segredo, deixando comigo a dor de sua história”.
C.11.F5-Notícia Provisória
É notícia no Brasil e na região a concessão, pelo Governo Federal, de uma pensão mensal, vitalícia e intransferível, às pessoas atingidas pela hanseníase e que foram vítimas de internamento compulsório comprovado até 31-12-1986.
A análise dos requerimentos apresentados é feita por uma Comissão Interministerial de Avaliação da SEDH-Secretaria Especial de Direitos Humanos, em Brasília, e muitas diligências estão em andamento para checagem da documentação probatória.
O benefício está previsto na Lei 11.520, de 18-09-2007, mas não se trata de pagamento por causa da doença em si, que aliás, continua e continuará atingindo pessoas até que seja erradicada. E também não é privilégio. A pensão está destinada a um universo limitado de internos mais antigos e classificada como uma indenização, ainda que tardia, tão somente em razão da violência e humilhação pelo internamento compulsório do passado e suas dolorosas consequências. Com a complexidade da análise dos requerimentos, quantos e quantas não viveram e outros tantos não viverão pra ver o dia do reconhecimento de um erro que os atingiu brutalmente: erro da ciência, erro do governo, erro da sociedade.

7 comentários:

  1. RECEBI UM EMAIL DE UM SEGUIDOR DO BLOG, E CONFESSO FIQUEI SURPRESA COM A HISTÓRIA DOS HASENIANOS,PARABÉNS PELO BLOG.NO MEIO DE TANTA COISA SEM SENTIDO NA NTERNET, ESTE BLOG É MUITO INTERESSANTE.VOU VIRAR SEGUIDORA.ABRAÇOS
    MÁRCIA KRUSLER

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  2. Estou super orgulhosa em ver a minha casa ser tão bem representada na internet. Isto só poderia vir de uma pessoa tão especial com é o professor José Afrânio. Estarei sempre com você "Vivendo e Aprendendo".Abraços
    Eliane Braz

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  3. Muitíssimo bom!!!
    Adorei, e sempre vou adorar essa minha casa:
    Colônia Padre Damião...
    Parabéns "Padrinho".

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  4. Olá! O blog é fantástico! Parabéns!!! Sou seguidor agora! Espero que visite o meu blog tbm! O que precisar pode contar comigo! Abracos!

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  5. Oi! O blog é fantástico! Parabéns pela iniciativa! Estou seguindo o blog e espero que visite o meu!

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    Abracos!

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  6. Mais de 1500 visitas. Parabens.

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  7. MUITO INTERESSANTE AS POSTAGENS.
    PARABÉNS

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